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Cereais de inverno podem substituir o milho na alimentação de suínos e aves

Suinocultor alimentando os animais na granja
Aproveitar melhor o inverno para abastecer o mercado de proteína animal

Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Trigo (RS) e Embrapa Suínos e Aves (SC) apontam que cereais de inverno, como trigo, aveia, centeio, cevada e triticale, são opções viáveis para substituir o milho na formulação de rações e concentrados para alimentar suínos e aves. Além de reduzir a dependência desse grão na Região Sul, cuja produção não tem sido suficiente para atender à demanda, o resultado amplia o mercado para os cereais de inverno, que ocupam cerca de 20% da área potencial de cultivo.
 
A escassez de milho frente ao crescente aumento na produção de proteína animal e a ociosidade de áreas produtivas no inverno foram as principais motivadoras dos estudos, que avaliam a viabilidade econômica e nutricional no uso de cereais de inverno na composição de rações, além da caracterização de cultivares mais adequadas à alimentação de suínos e aves.
 
A ociosidade de áreas no inverno na Região Sul, especialmente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é estimada em mais de 6 milhões de hectares, considerando espaços em situação de pousio ou com plantas de cobertura. Aproveitar melhor o inverno para abastecer o mercado de proteína animal é o projeto que a Embrapa está desenvolvendo na região, em parceria com vários segmentos do setor produtivo, indústria e poder público.

Déficit de milho aumenta gastos e preocupa produtores

A produção de milho no Brasil chegou a 100 milhões de toneladas na safra 2019. Desse volume, 43 milhões de toneladas têm como destino as exportações e outras 4,5 milhões de toneladas vão para a produção de etanol. Do total de grãos destinados ao consumo interno, mais da metade é utilizada para a alimentação animal.

Em 2019, a Região Sul produziu 25 milhões de toneladas de milho, um crescimento de 44% comparado aos volumes alcançados nos anos 2000. Com exceção do Paraná, que conta com o reforço do milho safrinha ou segunda safra, os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul têm disponível (considerando produção menos exportação) aproximadamente a metade do milho que consomem.
 
Somente para atender à demanda da indústria de proteína animal, que ano passado contabilizou uma produção de 2,7 milhões de toneladas de suínos e quase oito milhões de toneladas de frango, foram necessários 21,5 milhões de toneladas de milho. O déficit de milho na Região Sul é suprido pelos grãos trazidos do centro-oeste do Brasil, com custos de logística que sobrecarregam a produção.

Trigo e triticale são os melhores candidatos para substituir o milho

As pesquisas da Embrapa apontam, especialmente, o trigo e o triticale como alimentos energéticos com potencial para substituir o milho e o farelo de soja nas dietas para suínos e frangos de corte, desde que sejam efetuados ajustes nos níveis de aminoácidos e de energia para atender as exigências dos animais em cada fase. Com valor nutricional complementar ao milho e ao farelo de soja, esses cereais tornam-se técnica e economicamente viáveis para inclusão nas dietas de suínos e aves, podendo suprir parte significativa da demanda de grãos para essas duas espécies.

Resultados iniciais mostram que os valores nutricionais desses cereais são variáveis, dependendo da cultivar, do local e ano de produção. Por isso, é fundamental a avaliação de cada lote dessas matérias-primas antes de seu uso na produção de rações.
 
Uma das cultivares que mostrou bom potencial para a composição de rações foi o trigo BRS Tarumã, que possui maiores valores de proteína bruta e energia metabolizável. Trata-se de uma cultivar com teor de proteína próximo a 18%, desenvolvida para a alimentação animal em um mercado alternativo à panificação, e que já vem sendo utilizada há mais de 20 anos na criação de bovinos. Apresenta excelente valor energético, muito próximo ao farelo de soja, o que permite também baixar custos nesse item de produção.
 
Outros trigos, como BRS Pastoreio e BRS Sanhaço, assim como as cultivares de triticale BRS Saturno e Embrapa 53, apresentaram menor conteúdo de energia, o que aumenta a demanda por óleo nas rações. O uso desses cereais pode ser economicamente mais vantajoso nas fases em que os animais apresentam menor demanda de energia como, por exemplo, na gestação dos suínos. Já no caso do trigo BRS Tarumã, devido ao seu conteúdo de energia superior ao do milho e ao alto conteúdo de proteína, o uso é mais produtivo nas fases de crescimento e terminação, quando a exigência desses fatores é mais elevada.

Cevada também faz parte dos estudos

Conforme as avaliações nutricionais, os níveis ótimos para inclusão do trigo e do triticale na ração de suínos ficam ao redor de 35%, enquanto para a cevada esses níveis ficam entre 20% e 25% a partir da fase de crescimento. No caso dos frangos de corte e poedeiras, recomenda-se níveis de 20% a 30% de inclusão de trigo ou triticale, e até 20% de cevada na ração a partir da fase inicial.

Os pesquisadores salientam que é possível substituir totalmente o milho por trigo ou triticale nas dietas para suínos, desde que se faça os ajustes necessários nos níveis nutricionais para atender as exigências dos animais em cada fase.

Aproximação da indústria com o setor produtivo

O uso de cereais de inverno na produção de proteína animal não é novidade, mas a mobilização que uniu especialistas, entidades representativas do setor produtivo e poder público visa dar maior segurança na rentabilidade do produtor de grãos e na garantia de matéria-prima para abastecer a indústria.

Com o objetivo de aumentar a área com cultivos de inverno, o governo do estado de Santa Catarina – que é o maior importador de milho no Brasil – lançou, no início deste ano, em fevereiro de 2020, o “Programa de Incentivo ao Plantio de Grãos de Inverno”, que está estimulando os agricultores a investirem em cereais de inverno com potencial para compor a matriz de ingredientes para rações de suínos e aves. O programa conta com o suporte técnico de instituições de pesquisa como a Embrapa e a Epagri/SC, o fornecimento de insumos e assistência técnica do setor cooperativista e a aquisição dos grãos pela indústria de suínos e aves. 

Um dos desafios para garantir o abastecimento da indústria de proteína animal com cereais de inverno é o clima nem sempre favorável, responsável por muitas safras frustradas no inverno com chuvas na pré-colheita que podem resultar em perda de qualidade dos grãos e até contaminação por micotoxinas, ocasionando fungos que causam complicações no sistema digestivo dos animais. 

A agroindústria já tem experiência para se adaptar ao momento adverso e problemas com frustração de safra que afetam a qualidade nutricional ou sanitária dos grãos também ocorrem no milho e em outras culturas. Caberá à indústria saber fazer os ajustes nutricionais para manter o desempenho dos animais.

Os cereais de inverno precisam competir nutricionalmente e financeiramente com os demais ingredientes da ração, como o milho e o farelo de soja, mas sem perder em qualidade. É importante avaliar que não está se falando de utilizar o refugo da produção de grãos para alimentação animal. É preciso trigo de qualidade, que supra a demanda da indústria de proteína animal e não somente ofertas pontuais dos grãos que não atenderam os requisitos da panificação.

Para os pesquisadores, se o produtor utilizar trigos com características de interesse para a alimentação animal, como maior energia, proteínas e menos fibras, obviamente competirá melhor com outras commodities. Trigo de qualidade é valorizado em qualquer mercado, mas é preciso estudar cada oportunidade.
 
Não há dúvidas técnicas quanto ao uso dos cereais de inverno para alimentação de suínos e aves. O que está em discussão agora é o modelo de negócio para viabilizar o plantio e uso em rações.
 
Na Região Sul, as negociações da indústria de proteína animal com o setor produtivo já começaram, inicialmente com grandes produtores e cooperativas, mas devem expandir o alcance para pequenos produtores, principalmente aqueles que atuam próximo às indústrias.
 

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