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Controle da lagarta-do-cartucho no milho

Lagrata-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda) - Foto: Arthur Torres
 
É a principal praga do milho no Brasil que continua reduzindo a produtividade da lavoura, aumentando o custo de produção e diminuindo a lucratividade
 
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) foi desenvolvido com uma visão ampla, considerando o complexo de insetos fitófagos que poderia reduzir a produtividade do cultivo e, consequentemente, a lucratividade de quem produz. Obviamente, está também embutida no conceito a sustentabilidade do sistema produtivo, no que diz respeito à alta qualidade, não só do produto, mas também do ambiente onde foi produzido. Infelizmente, a utilização fiel do MIP ao longo do tempo foi sendo reduzida. Por decisão única do produtor ou até influenciado por outros, é comum considerar como pragas importantes (chaves) apenas uma ou poucas espécies, as quais ao longo dos anos recebem maior número de intervenções para o controle, independentemente do seu nível populacional, e em geral com o uso de pulverizações com macro ou micro-organismos. Em áreas individuais extensas é comum a aquisição notadamente de produtos químicos, considerando como alto grau de “certeza” que determinada praga estará presente na lavoura e demandará medidas de controle. Se tal praga não demandar o controle, o produto ficará armazenado para o próximo plantio ou poderá ser utilizado para o controle de outra espécie. Portanto, é possível aplicar um produto que não é apropriado, ou, pior, aplicar sem que seja registrado para a praga do momento, incidindo na lavoura do milho.
 
 
A lagarta-do-cartucho-do-milho, Spodoptera frugiperda, foi identificada em 1797, e até há pouco tempo estava confinada nas Américas. Atualmente já se encontra em vários países da África e da Ásia. É a principal praga do milho no Brasil, e apesar da existência de vários produtos comerciais e de sementes de plantas geneticamente modificadas (milho Bt), continua reduzindo a produtividade da lavoura, aumentando o custo de produção e diminuindo a lucratividade do agricultor. Tal fato sugere, e já está confirmado por estudos científicos, que esta praga é capaz de se tornar resistente às tecnologias utilizadas, sejam baseadas em produtos químicos ou até mesmo plantas de milho Bt, ou que tais tecnologias não estão sendo utilizadas adequadamente. Portanto, é fundamental a implementação de um programa correto de manejo da praga que irá propiciar ganhos tanto para o agricultor como para o consumidor. Além disso, logicamente, o próprio ambiente será beneficiado, uma vez que o MIP por princípio tem por objetivo também a sustentabilidade da cadeia produtiva. O sucesso esperado no manejo da praga pode não ocorrer sem um planejamento prévio e considerando vários critérios técnicos, incluindo possíveis efeitos colaterais indesejáveis do método de controle escolhido, principalmente em relação aos organismos não alvos, em especial a fauna de insetos benéficos, entre eles os agentes de controle biológico natural.
 
 
 
 
 
A presença do inseto na lavoura pode ser percebida em praticamente todos os estágios de desenvolvimento da planta. No entanto, injúrias em estágios iniciais de desenvolvimento são as que rapidamente chamam a atenção do agricultor, mas significam também que a larva já está presente, sendo então necessário quantificar esta presença e confrontar com o seu nível de dano econômico para então tomar uma decisão sobre a necessidade de efetuar o controle.

 

Estratégia de manejo

Inicialmente, dois pontos básicos devem ser considerados na implantação de um programa de manejo de S. frugiperda. O primeiro deles é sobre o potencial médio de redução na produção de grãos de uma planta após ser danificada por uma larva sadia, atualmente considerado em torno de 30%. O segundo ponto é em relação ao nível de dano econômico (NDE), qual seja, o nível populacional da praga presente na área de produção que, se não for controlada eficientemente, causaria uma perda econômica no mínimo igual ao custo de seu controle. Devem ser incluídos neste custo o gasto na aquisição do produto e o valor a ser pago pelos serviços utilizados antes, durante e depois da aplicação. Obviamente, a perda econômica é função da queda na produtividade esperada e do preço do milho.
 
 
Considerando que há similaridade do custo total para o controle da praga, independentemente de diferentes níveis tecnológicos utilizados na produção, é fácil entender que o nível de dano econômico irá variar. Assim sendo, individualmente uma unidade produtiva deve ter seu NDE próprio. Conhecendo o potencial da praga em reduzir a produção da planta, o valor econômico da produção e o custo total envolvido no controle, pode-se então determinar o NDE (valor calculado). Conhecendo o NDE para determinada exploração agrícola e em um ano específico, a etapa seguinte é confrontar o valor calculado para o NDE com a real incidência da praga na área. Se a incidência da praga for num patamar próximo ou superior ao valor indicado pelo NDE, o controle deve ser efetuado, pois há alta probabilidade de perdas econômicas caso a praga não seja controlada. Tal afirmativa, porém, não é tão simplista; está correta no sentido de tomar a decisão sobre a necessidade do controle, porém aplicar o produto não é suficiente para se obter eficiência.
 
O agricultor deve estar atento às variáveis que podem afetar significativamente o desempenho da aplicação. Uma delas é o estágio de desenvolvimento da praga, pois larvas de idades diferentes demandam ajustes de doses do produto utilizado, seja ele químico ou biológico. E esta diferença no estágio de desenvolvimento das larvas é função do fluxo de entrada das mariposas na lavoura e da época em foi realizado o levantamento para determinar a infestação real da praga. Portanto, o levantamento, muitas vezes realizado com base apenas no sintoma de dano aparente, pode não estimar adequadamente a presença da larva e/ou seu estágio de desenvolvimento.
 
 
Verificar a presença da larva, computar sua distribuição percentual por faixa etária e fazer, se necessário, os devidos ajustes na dose do produto a ser aplicado são um método melhorado de monitoramento e tomada de decisão sobre necessidade de controle. Porém, é um método dispendioso e requer cuidados especiais para não danificar a planta. Em geral, devem ser amostradas, nos dois sistemas mencionados, entre 1% e 2% das plantas da área cultivada, podendo ser considerados pontos de amostras contendo entre 50 plantas e 100 plantas. Quanto maior o número de pontos, selecionados ao acaso, melhor será a qualidade da informação.
 
Outra alternativa para o monitoramento de S. frugiperda em milho é através do uso de armadilha contendo um piso colante removível e o feromônio sexual sintético da praga. O objetivo deste método é identificar a presença da mariposa na área-alvo ao longo do ciclo da cultura, e deve ser utilizado um pouco antes ou no dia do plantio do milho. A tomada de decisão para o controle da praga é dada em função da captura acumulada média de três mariposas por armadilha, considerando que uma armadilha é suficiente para monitorar cinco hectares em áreas homogêneas. Ou seja, três ou mais mariposas capturadas significam alta probabilidade de se ter uma população de larvas com potencial para reduzir a produtividade de milho, cujo valor econômico é no mínimo igual ao custo do controle, dentro de um patamar de produtividade esperado de 150 sacos de milho por hectare. Utilizando este critério, e se a pulverização for a estratégia escolhida, ela deverá ser efetuada dez dias após a captura acumulada de três mariposas. As larvas estarão com cerca de sete dias e muito suscetíveis ao produto a ser aplicado, seja ele químico ou microbiológico.
 
 
O monitoramento continuado com as armadilhas indicará as oscilações no fluxo de mariposas ao longo do ciclo do milho. Em ambientes agrícolas com a flutuação de mariposas e com baixa incidência de agentes de controle natural, o potencial de redução da produtividade de milho com certeza será alto, e esta situação é provável que ocorra em diversos ambientes agrícolas no Brasil, envolvendo a cultura do milho.
 
É essencial, portanto, para se ter sucesso no controle de S. frugiperda em milho, que o produtor, individualmente ou através de cooperativas ou de sindicato rural, tenha conhecimento da flutuação da praga, mesmo em área sem plantio de milho, considerando que a larva pode utilizar como fonte de alimento mais de 60 famílias de plantas. Este monitoramento é fundamental para a produção de milho escalonado, como é o caso de milho para venda in natura ou aquele produzido para a agroindústria.
 
 
Observando a flutuação da praga ao longo do tempo, surge uma grande dúvida sobre o número necessário de aplicações para o controle durante o ciclo da cultura do milho, especialmente considerando o curto período residual obtido com produtos via pulverização. Isto sem considerar a grande pressão populacional sobre as plantas de milho Bt, com vários exemplos de perda de eficiência no controle da praga. Portanto, é necessário utilizar alternativas sustentáveis para o manejo da praga, que sozinhas ou integradas com outras de mesmo princípio propiciem controle duradouro da praga-alvo e mantenham as demais em patamar aceitável. Uma alternativa é a inserção prioritária do controle biológico, especialmente com a utilização e o manejo de organismos macrobiológicos como os insetos benéficos (parasitoides e predadores).

Controle biológico conservativo e controle biológico aplicado

Apesar de pouco utilizado no passado, atualmente cresce a demanda para a utilização do controle biológico de insetos-pragas. E a incidência de agentes de controle natural de larvas de S. frugiperda em áreas comerciais de milho indica o quanto o método pode ser útil no manejo integrado da praga. A utilização de insetos benéficos pode ocorrer através da aquisição e do uso de produtos de biofábricas (controle biológico aplicado) e/ou através da conservação dos insetos benéficos já presentes no ambiente agrícola. Neste caso, exercendo o controle natural da própria S. frugiperda e de outras espécies fitófagas.
 
Monitoramento realizado em 97 municípios de Minas Gerais, em período de oito anos, através de coletas de larvas de S. frugiperda em plantas de milho e em propriedades rurais, indicou a presença de inimigos naturais em 99%. Maior ou menor incidência de populações de espécies de pragas é função, entre outros fatores, da biodiversidade de benéficos.
 
 
 
 
Entre todos os parasitoides, Chelonus insularis, Campoletis flavicincta e Eiphosoma laphygmae, juntos, representaram 74,1% das espécies obtidas no monitoramento realizado. A espécie C. insularis coloca seus ovos no interior dos ovos de S. frugiperda, porém permite a eclosão das larvas da praga; as duas outras espécies são exclusivas de larvas pequenas, e, para todas, a larva parasitada reduz em mais de 90% a ingestão do alimento antes de ser morta. Uma única fêmea de C. flavicincta pode parasitar e matar acima de 200 larvas pequenas de S. frugiperda. A presença destes parasitoides e de outras espécies de insetos benéficos predadores, tais como a tesourinha, Doru luteipes, espécies de percevejos, como Zelus e Podisus, joaninhas e bicho-lixeiro, com certeza pode ser grande aliada do agricultor no controle do complexo de pragas do milho, especialmente quando o agricultor passa a utilizar práticas que não reduzam a sobrevivência e o desenvolvimento populacional destes insetos benéficos.
 
 
 

Uso do parasitoide de ovos, Trichogramma pretiosum

A espécie Trichogramma pretiosum, um inseto minúsculo, está com uso crescente no Brasil, em milho e em outros cultivos, em função do seu modo de ação e de liberação, de sua eficiência e mobilidade e do custo competitivo. A utilização desta modalidade de controle de S. frugiperda pode ser pensada tanto como alternativa ao uso de um produto químico sem perda de eficiência quanto como estratégia de evitar a eliminação muito precoce de diferentes espécies de organismos benéficos de grande importância na manutenção do equilíbrio bioecológico, atuando na redução de outras espécies de insetos fitófagos. Adicionalmente, deve ser considerado o fato de não haver pragas resistentes ao controle biológico com a vespa Trichogramma e de ser uma tecnologia que não gera passivo ambiental.
 
 
A espécie T. pretiosum é um parasitoide exclusivo de ovos e passa todas as fases de desenvolvimento, com exceção da fase adulta, dentro dos ovos de S. frugiperda, e o fato de ser exclusiva de ovos impede a eclosão de larvas e consequentemente evita qualquer dano foliar. O inseto pode ser liberado no campo de diversas maneiras, desde a liberação manual até a liberação via drone, neste caso para grandes áreas. Ao contrário do controle efetuado via pulverização, que precisa atingir a larva ou o local onde se encontra na planta e em todas as plantas, a vespa Trichogramma, em virtude de sua mobilidade, pode ser liberada em grupos, em alguns pontos da área plantada com milho. Em média, as fêmeas são liberadas em uma densidade de 60 mil por hectare, distribuídas em 20 pontos equidistantes.
 
O Trichogramma pode ser liberado no estágio de pupa dentro de um ovo de um hospedeiro alternativo, geralmente ovo da traça das farinhas, Anagasta kuehniella, muito próximo da emergência do adulto ou na fase adulta. A fêmea recém-emergida imediatamente começa a busca pelo ovo de S. frugiperda para colocar seu próprio ovo e assim perpetuar a espécie. Um indicativo de parasitismo dos ovos da praga é que eles se tornam enegrecidos cerca de quatro dias após receberem o ovo do Trichogramma. Uma geração de T. pretiosum se completa em cerca de dez dias, contrastando com o ciclo entre 30 dias e 40 dias de S. frugiperda.
 
 
A eficiência do Trichogramma depende da sincronização entre liberação no campo e presença de ovos da praga. Para que isto ocorra, o monitoramento deve ser voltado para a identificação da postura ou, melhor ainda, através da captura de mariposa na armadilha com feromônio. A tomada de decisão para o controle da praga é baseada na captura média acumulada de três mariposas por armadilha, com liberação do parasitoide logo a seguir. Os insetos são adquiridos de biofábricas comerciais, que são geralmente associadas a uma empresa prestadora do serviço de liberação, usualmente via drone.
 
Em locais onde não se tem conhecimento sobre a população de agentes de controle biológico natural ou quando ela é pequena ou inexistente, a liberação do Trichogramma pode ser realizada em três etapas, liberando em cada ocasião um terço da densidade global.
 

Pulverização

Se o produtor optar pela utilização de uma medida de controle via pulverização, o produto, preferencialmente microbiano ou químico, deve ser escolhido em função de características positivas, além da eficiência sobre a praga e seu custo. Sem o conhecimento prévio, a escolha é uma tarefa árdua, considerando a existência acima de 200 marcas de produtos comerciais disponíveis. A ineficiência da aplicação pode ser atribuída à escolha incorreta do tipo de bico de pulverização, do volume de água, da pressão de aplicação, do estágio de desenvolvimento da planta, de chuvas logo após a aplicação, etc. Larvas que recebam doses insuficientes para matá-las vão gradualmente adquirindo resistência ao produto aplicado, e assim, com o passar do tempo, este grau de resistência vai aumentando na população da praga, demandando novas aplicações, aumentando o custo de produção e causando desequilíbrio biológico. Por isso, essa escolha e definição do melhor produto a ser utilizado no processo deverá ser orientada por um engenheiro agrônomo, dando-se sempre preferência a produto biológico.
 
Fonte: Texto com inclusões de RuraltecTV baseado me texto original publicado na Cultivar de Ivan Cruz, Embrapa Milho e Sorgo
 
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